quinta-feira, 12 de julho de 2007

O euro destronará o dólar?

Grande parte da predominância da América nas finanças globais advém da condição de moeda internacional do dólar. O comprometimento da América com mercados de capital livres, com o império da lei e com a estabilidade de preços confere credibilidade ao dólar como uma reserva de valor. Os hábitos dos gasto dos EUA, porém, minaram a reputação do dólar, cujo preço foi depreciado pelo excesso de oferta de dólares nos mercados do mundo. Nesta primavera, a taxa do euro ante o dólar atingiu um pico histórico, e os bancos centrais elevaram a participação do euro nas suas reservas internacionais. Estará o dólar perto de perder a coroa das finanças do mundo para o euro?

A história indica que não, apesar do dólar vulnerável. A supremacia financeira dos EUA no século XXI se assemelha à posição do Reino Unido nas finanças mundiais há um século. Antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial em agosto de 1914, a libra esterlina servia como moeda preferida para transações internacionais, exatamente como ocorre com o dólar hoje, e os tomadores de empréstimo do mundo visitavam a "City" de Londres para levantar capital.

O economista britânico John Maynard Keynes temia que os países não usariam a libra para quitar saldos comerciais entre si se a libra não fosse vista como uma reserva de valor confiável. A "posição futura da City de Londres", de acordo com Keynes, dependia de a libra esterlina continuar servindo o mundo dos negócios como o equivalente do ouro. O Reino Unido manteve a conversibilidade da libra em ouro na conflagração da Grande Guerra para preservar a sua credibilidade como meio de troca internacional.

O dólar não podia confrontar o papel da libra como moeda mundial sem se equiparar à sua reputação. Agosto de 1914 ofereceu a oportunidade. A maior saída de ouro numa geração ameaçou a capacidade dos EUA de quitar as suas dívidas no exterior. O receio de que os EUA poderiam abandonar o padrão ouro fez o dólar despencar nos mercados mundiais.

O Secretário do Tesouro, William G. McAdoo, porém, garantiu a honra financeira dos EUA em agosto de 1914, ao permanecer fiel ao ouro enquanto todos os demais, exceto os britânicos, abandonaram as suas obrigações. Apesar da imediata credibilidade do dólar, contudo, mais de uma década decorreu até a moeda dos EUA se igualar à do Reino Unido como um meio de troca internacional. Os hábitos de pagamento se dissolvem em ritmo de geleira.

A transformação do Reino Unido da condição de credor à de devedor internacional durante a Grande Guerra conferiu ao dólar um segundo alento na sua batalha com a libra. Os britânicos foram obrigados a abandonar a conversibilidade do ouro em abril de 1919 - um recuo tático planejado para abrir caminho para o retorno do Reino Unido à antiga paridade de US$ 4,8665 com o dólar americano. Seis anos mais tarde, em abril de 1925, o Reino Unido confirmou a sua credibilidade monetária e retornou ao padrão ouro. Mas a libra já havia sofrido um dano irreparável.

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A transformação do Reino Unido da condição de credor à de devedor durante a Grande Guerra conferiu ao dólar um segundo alento na sua batalha com a libra
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A experiência de 1914 sugere que uma alternativa digna de crédito pode substituir uma moeda mundial arraigada, especialmente depois de uma balança comercial desfavorável tê-la enfraquecido. Mesmo assim, porém, destronar o rei dominante das transações internacionais demanda tempo.

Atualmente, o euro - uma moeda sem país - carece de um histórico prolongado de credibilidade. Treze países na União Européia usam o euro como moeda. Mas o comprometimento destas entidades políticas independentes com o dólar não consegue igualar a história do comprometimento dos EUA com o dólar.

O Banco Central Europeu (BCE), estabelecido em 1998, tem o mandato de administrar a nova moeda para manter a estabilidade dos preços. Mas o BCE necessita de tempo para estabelecer as suas credenciais de combate à inflação. Ele não pode pegar uma carona com o ouro, como fizeram os EUA há um século. Portanto, o euro precisa conquistar a sua reputação de crise em crise para confrontar a supremacia do dólar como a moeda preferida nas transações internacionais.

A experiência recente do euro como um ativo de reserva oficial é instrutiva. Entre 2000 e 2005, o dólar perdeu mais de 25% do seu valor ante o euro. Enquanto isso, a parcela de reservas internacionais mantida em euros aumentou de 18% para 24%, e a fatia do dólar caiu de 71% para 66%. Resumindo, o euro claramente fez algum progresso durante esse período de déficits na balança de pagamentos dos EUA, porém isso reflete um declínio na evolução da supremacia do dólar, não uma revolucionária mudança de regime.

O que poderá desencadear uma corrida fatal ao dólar nos mercados mundiais? Embora uma ampla e repentina venda maciça por parte dos grandes detentores de dólares - por exemplo, a China - pareça improvável, um evento cataclísmico, semelhante à eclosão da Grande Guerra em 1914, poderá precipitar uma busca por um novo meio internacional de câmbio. Na era moderna de pagamentos informatizados, a convulsão poderia vir de um ataque terrorista que minasse as instalações de transferências informatizadas do sistema bancário mundial. Uma catastrófica perda de registros eletrônicos certamente poderia destruir a credibilidade do dólar como meio de troca internacional.

Mas exatamente o que substituiria o dólar em tais circunstâncias continua sendo uma pergunta em aberto. Afinal, a perda de registros de computador tornaria o euro igualmente suspeito. Talvez o ouro, uma reserva de valor imune à distorção física, poderia encenar um retorno. É claro, só podemos esperar que esse cenário continue sendo pura conjetura.

Texto publicado no jornal VALOR ECONOMICO em 10/07/2007

William L. Silber é professor de Finanças e Economia na Escola de Negócios Stern da Universidade de Nova York; é autor de " When Washington Shut Down Wall Street: The Great Financial Crisis of 1914 and the Origins of America´s Monetary Supremacy (Quando Washington fechou Wall Street: A grande crise financeira de 1914 e as origens da supremacia monetária da América). © Project Syndicate/Europe´s World, 2007. www.project-syndicate.org

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